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Livros que carregamos

Não se fazem livros como antigamente. Não falo sobre a qualidade do material de que eles são feitos. Conto as expectativas geradas antes do livro chegar nas mãos do leitor. Para quem morou no interior sabe do que eu estou falando. Você só tinha acesso a eles quando alguém de fora o trazia ou vinha com notícias a respeito do próprio. Quando ouvia-se falar, o leitor futurista já imaginava o que naquelas folhas poderiam estar escrito. Se lia antes mesmo de ter os livros nas mãos. Livro era algo caro, como na maioria das vezes. Em muitos casos era preciso entrar na fila de leitores pois havia apenas um exemplar. A biblioteca poderia ser a salvação, só que a disputa era acirrada. Os livros eram objetos raros que deviam ser guardados com cuidado em locais seguros, de preferência distante da umidade e do Sol. 
Uma vez um tio me disse que quando voltasse de viagem traria um livro sobre uma menina que vagava por um mundo dos sonhos onde encontrava muitos animais pelo caminho. Não sei porque me lembrei da Arca de Noé. Em poucos dias descobri que se tratava de um livro considerado infantil que para mim dizia mais para os adultos do que para crianças, era Alice no país das maravilhas. Quando releio o livro,  lembro de quando eu ganhei o livro, lembro do meu tio, lembro do Coelho Branco que me remetia a um amigo chato do colégio. 
Hoje raramente compro livros, não sei se por falta de tempo, por falta de espaço ou porque tenho pouca paciência com eles. Creio mesmo que com o passar do tempo perdi a imaginação despretensiosa que vinha com a espera daqueles escritos vindos da capital. 

Quer me encontrar, entra na rede


Não ha quem não ficasse abalado na família Rezende naquele 16 de abril. Naquele dia Tainá sofreu um sequestro relâmpago e nunca mais foi a mesma. Foram cinco intermináveis horas nas mãos dos sequestradores que só queriam dinheiro e o celular dela. Apesar de ser apenas uma adolescente Tainá não se desesperou e saiu do ocorrido sem nenhum arranhão. Apesar de tudo, evitava passar na rua onde foi apanhada pelos sequestradores.
            A vida de Tainá depois de um mês do ocorrido efetivamente tinha sofrido uma revolução. Antes era uma menina cheia de amigas, se envolvia em várias atividades na escola, quase não parava em casa. Agora, trancava-se no quarto e pouco era conhecido suas particularidades. Jussara, a mãe, queria saber se a mudança de comportamento poderia ser provocada pelo sequestro, suspeitava síndrome do pânico ou algo semelhante. Tainá se defendia colocando a culpa nos estudos. Foi então, que sua mãe foi atrás de uma psicóloga imaginando que pudesse ajuda-la a se livrar de algum transtorno.
            Passados alguns meses Tainá continuava passar longos períodos enfurnada em seu quarto, dispensava os primos, os irmãos, os país, e todos que conviviam ao seu redor. Deixava de ir a academia e refutava qualquer atividade de durasse mais de meia hora fora de casa. Jussara decidiu questionar a psicóloga preocupada com a situação. A profissional respondeu que nunca tinha visto uma menina tão de bem com a vida como Tainá. A psicóloga não quis comentar muito a respeito da paciente mas confirmou que a vida da adolescente mudou para melhor depois do sequestro.
            O Jussara desconhecia que Tainá tinha migrado por completo a sua vida para o meio digital. Diante do computador, ele convivia com as amigas, namorava, contava histórias, brincava e até cantava, algo que nunca tinha feito diante de uma plateia próxima. Ainda que não entrasse no quarto pois quase sempre estava fechado Jussara ouvia através da porta boas risadas da filha, o que significava que ela relativamente estava bem, apesar de sozinha.
            Como o tempo Tainá sairia o menos possível de casa. Já tinha esquecido por completo o sequestro e sua vida resumia ao seu pequeno quarto. Ela até comprou uma bicicleta ergométrica onde poderia ver os amigos enquanto queimava as calorias.
            Na tentativa de mexer com a filha Jussara sugeriu que fizessem uma viagem. Tainá gostou imaginando que fosse acessar um site específico de viagem onde se aventurasse como turista sem coloca o pé fora de casa. Quando ela descobriu que a proposta feita pela mãe precisaria arrumar malas, comprar passagens, passar longas horas dentro do avião, andar bastante, Tainá odiou a ideia e preferiu ficar. Ela defendia o meio virtual como uma forma de estar no mundo. Só ali que ela se encontrava, fora dali tudo não passava de rascunhos.
            Mesmo vendo que a filha se alimentava direito, dormia regularmente, Jussara não se conformava com a situação. Dispensou a psicóloga. Tainá recebeu a notícia com indiferença.
            Não sabendo o que fazer para tirar Tainá desse estado de isolamento social Jussara decidiu contratar uma investigador para vigiar o que se passava com ela na internet. Ela temia que alguém a controlava por meio da rede, tinha medo de aliciadores de menores. Até imaginava a hipótese de uso de drogas por parte da filha. O detetive teve acesso a tudo o que Tainá acessava e nada indicava que tivesse algo fora do normal para uma adolescente.
            Depois de muitas tentativas frustradas Jussara percebeu que a sua filha adotou um estilo de vida e se quisesse conviver com ela teria que fazer parte do meio em que estava inserida. Foi então que Jussara decidiu ser uma internauta de forma mais substanciosa. Tainá aprovou a iniciativa. Após 4 meses nunca mais Jussara foi a mesma.


Aplicativo da transa


Transar com uma amiga pode ser tão frustrante como transar com ex-namorada. Na verdade, nunca se sabe. Para evitar constrangimento, inventou-se um aplicativo em que o usuário pode indicar os amigos pelos quais escondem o desejo a realizar e se for correspondido o software avisa. Tudo confidencial, como quase tudo na rede. O que se sabe é que muita gente nunca mais foi a mesma depois do uso do aplicativo.
Terencio descobriu o amor da sua vida. Gabriela finalmente confessou o seu sentimento.  
Graça teve uma grande decepção ao transar com seu estimado amigo Josué que mesmo tendo uma boa perfomace na cama apresentava uma pinta na bunda que deixava ela bastante incomodada com a situação. Aquela mancha na bunda tirava a concentração dela do sexo.
Ronaldo depois de transar com uma meia dúzia de amigas, perdeu as amizades e a vontade de transar. O tesão pelo sexo desvaneceu e concentrou toda a sua energia no vídeo game.
Carla  diz que só usou o aplicativo para confirmar a sua desconfiança. Nada muito envolvente.  
Patrícia ficou revoltada ao notar que tinha poucos amigos interessados em transar com ela. Tomou satisfação de alguns que frequentemente a elogiavam por causa da sua beleza. Por fim, ficou com menos amigos.
Pedro nunca mais se preocupou em inventar uma cantada. Adicionava diversas amigas na sua rede social e depois usava o aplicativo. Achou cômodo, mas na verdade nunca gostou muito de sexo.
Teo que nunca foi a favor de aplicativos deixou de ser o grande garanhão da turma. Perdeu para Genésio, uma revelação depois da invenção do software.
Telma nunca soube usar o aplicativo e tinha uma vida sexual pouco ativa.
Graças ao aplicativo foi possível organizar finalmente uma suruba, só com conhecidos.Dois grandes amigos quase saíram no tapa.Desconheciam a preferencia de posicionamento sexual.  
Caio ao verificar no aplicativo a lista de interessadas pelo seu corpo recorreu a uma prostituta. Temia que a aventura pudesse prejudica-lo no trabalho.
Tarsila parou de sair no sábado. Segundo ela foi uma grande economia, assim poderá viajar no final do ano.
Paulo pregou pegadinhas. Forjou diversas vontades. Na verdade, nunca teve interesse em ninguém. Perdeu algumas amizades.
Gisele voltou com o namorado que não via ha dez anos.
O numero de transas na turma aumentou radicalmente, o que não aconteceu com o número de apaixonados.






            

Carnaval de rua



Carnaval de rua é uma das ultimas oportunidades onde se pode deparar com o imprevisível. Em diversos sentidos. Por mais que seja organizado, estipula-se horário de inicio, termino, perímetro a ser percorrido, percurso com acompanhamento de ambulância, tudo pode acontecer. Isso parece obvio numa cidade como São Paulo onde milhões andam de um lado para outro com infinitas possibilidades. Mas no carnaval é diferente. O imaginário esta no ar. Em poucas horas, pode-se apaixonar, viver um romance, ter uma decepção, fazer amigos, criar histórias, se contorcer com a multidão, virar palhaço, chorar de alegria, brincar de era uma vez, sonhar, se auto enganar, usar drogas, dançar sem saber onde os pés vão parar. No carnaval é a chance de abrir o coração diante do mistério da vida. E o que fazemos de melhor é desprender emoções e cutucar alegrias.